Sta. Efigênia de Ouro Preto:  Portas Abertas



Prof. Luiz MASCARENHAS*
           

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            Abri as portas ao Redentor!

           
            Neste sábado, dia dez de maio do ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de dois mil e catorze, Ouro Preto comemora uma grande efeméride!
            Os corações  ouropretanos estão em jubilosa festa!
            A veneranda Igreja Matriz de Santa Efigênia, ou Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, da freguesia de Antônio Dias, reabre suas portas!
            Foram 7 anos de intenso trabalho de restauração.
            Pela Sagada Escritura, o número7 representa a perfeição!
            E lá está ela...Santa Efigênia de Ouro Preto...uma nota branca e altaneira; a dominar a bela paisagem da barroca e vetusta Villa Rica...
            O que é uma Igreja? Em termos de edificação física, podemos afirmar sem medo e sem temores...um Templo Santo do Senhor!
            Sta. Efigênia está como serva vigilante sobre o Ouro Preto...suas torres sineiras velam a cidade e o dobres de seus sinos ecoam pelo vale, a lembrar a alma do fiel que seu caminho é o Céu... para o Reino definitivo...para a Casa do Pai!
            Ditosa Ouro Preto por suas matrizes, capelas e passos...insistentemente a recordar o Homem de sua ligação com o Infinito de Deus!
            Sta. Efigênia, por onde pairam as brumas e as lendas do passado opulento da Villa Rica! Recordemos uma, a título de ilustração...”Na antiga Villa Rica,  muitos  negros escravizados, tomaram o hábito de embrenharem-se por uma ladeira acima ao final de sua penosa jornada de trabalhos. Uma vez lá arranchados, conversavam sobre a pátria distante, sobre seu sonhos de Liberdade... Ali, em pequena comunidade  choravam suas dores e tristeza.  Uma cruz alta de jacarandá, ali foi plantada, como era costume nas minas, no alto das montanhas,   de onde originou-se o nome de  Alto da Cruz.
            Certa tarde, quando estavam sentados ao pé dessa grande cruz, apareceu em sua frente, uma jovem negra, de rara beleza e que passou a lhes dirigir doces e sábias palavras....Efigênia pronunciara assim seu nome e pediu aos escravos que fosse construída naquele local uma igreja  para que eles pudessem ter um templo seu para suas orações. Esta  igreja deveria ter cinco altares simbolizando os cinco anos em que ela apareceu aos negros ao pé da Cruz. Deveria ser construída voltada para o Rio Uamii (Rio das Velhas) e ter duas torres. A invocação seria Nossa Senhora do Rosário. Em sua homenagem, eles deveriam cultivar rosas em seus jardins e, à noite, os anjos os protegeriam. E é por isso que, até hoje, não se usam flores artificiais nas igrejas dedicadas a Santa Efigênia. Depois desse dia ela não voltou a aparecer.  
            Desde então os escravos começaram a edificar o templo nos seus momentos de descanso. As negras besuntavam os cabelos com azeite para que o ouro em pó grudasse neles e, ao lavá-los em água quente, apuravam pouco a pouco o ouro para seguir na construção do templo que seria dedicado a Santa Efigênia. Os cativos que queriam a liberdade faziam promessa de levar à santa,  coisas de valor, inclusive ouro...
            “Em Ouro Preto não entra peste, fome, guerra e nem tampouco crises, porque tem, em  suas extremidades, duas invencíveis sentinelas.” Referiam-se a Santa Efigênia no Alto da Cruz e, do lado oposto, ao Senhor Bom Jesus das Cabeças.
            Outra história muito conhecida e divulgada é a de Chico Rei e o ouro da Encardideira...
            Chico Rei, nascido no Reino do Congo, chamava-se originalmente Galanga. Chegou ao Brasil em 1740, no navio negreiro “Madalena”, mas, entre os membros da família, somente ele e seu filho sobreviveram à viagem. Todo o lote de escravos foi comprado pelo Major Augusto, proprietário da mina da Encardideira, e foi levado para Vila Rica como escravo, juntamente com seu filho. Trabalhando como escravo conseguiu comprar sua liberdade e a de seu filho. Adquiriu a mina da Encardideira. Aos poucos, foi comprando a alforria de seus compatriotas. Os escravos libertos consideravam-no “rei”.
            Este grupo associou-se em uma irmandade em honra de Santa Ifigênia, que teria sido a primeira irmandade de negros livres de Vila Rica. Ergueram a Igreja de Nossa Senhora do Rosário.
            Chico Rei virou quase um “ monarca” de sua gente  em Ouro Preto, antiga Vila Rica em Minas Gerais no século XVIII, com a anuência do governador-geral Gomes Freire de Andrada, o Conde de Bobadela.
            No dia de Nossa Senhora do Rosário, ocorriam as solenidades da Irmandade, denominadas Reinado de Nossa Senhora do Rosário. Durante estas solenidades, Chico, coroado como rei, aparece com a rainha e a corte, em ricas indumentárias, seguido por músicos e dançarinos, ao som de caxambus, pandeiros, marimbas e ganzás. Este cortejo antecedia a missa. Diversos grupos de congado evocam Chico Rei como origem do congado, embora estudiosos eruditos contestem esta visão...
            Deixando de lado as pitorescas lendas que cercam Sta. Efigênia, pontuemos  um pouco a História de  sua construção...A igreja demorou 60 anos para ser construída, de 1730 a 1790, Manuel Francisco Lisboa, arquiteto português, participou do projeto da igreja, que possui altar de madeira entalhada de Francisco Xavier de Brito, o mestre do Aleijadinho, Antônio Francisco Lisboa, filho do projetista.  A pintura do seu interior é de Manuel Rabelo de Souza, que – curiosamente - apresenta um papa negro. Na fachada estão os relógios de pedra considerados os mais antigos da cidade.
            A igreja só ficou pronta em 1785, conforme marca a data gravada no pedestal da cruz em cima da fachada. Segundo o historiador francês Germain Bazin, a planta da igreja de Santa Efigênia visa à obtenção de formas mais elegantes e funcionais. A supressão dos corredores laterais ao longo da nave indicava um período de evolução da arquitetura religiosa mineira. Atribui-se a autoria da planta, sem confirmação, a Manuel Francisco Lisboa, pai de do arquiteto e escultor Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho.                                                                                                                       A imagem da Virgem do Rosário revela influência do trabalho de Aleijadinho. Nos altares, surgem as invocações a Santa Rita, Santo Antônio Noto, São Benedito e Nossa Senhora do Carmo. Foram concebidos segundo o estilo Dom  JoãoV, barroco visando à riqueza e à superabundância de detalhes, segundo Germain Bazin. A capela-mor traz painéis a óleo com representações de são Domingos e são Francisco aos pés do Cristo Crucificado.
            Tudo isto posto...eis-nos diante das portas abertas de Sta. Efigênia!
            Abri as portas ao Redentor, nos convidava o nosso Santo João Paulo II no ano jubilar de 1983... Toda a vida da Igreja está imersa na Redenção e respira a Redenção. Para nos remir, Cristo veio do seio do Pai a este mundo; para nos remir, ofereceu-se a si mesmo na Cruz, num ato de amor supremo pela humanidade, deixando à sua Igreja o seu Corpo e o seu Sangue « em sua memória »  e fazendo dela ministra da reconciliação, com o poder de perdoar os pecados.                                                                          A Redenção é comunicada aos homens mediante a proclamação da Palavra de Deus e os Sacramentos, naquela economia divina para a qual a Igreja, Corpo de Cristo, foi constituída « como Sacramento universal de Salvação »
            Abri as portas ao Redentor!
            E eis as portas abertas de Sta. Efigênia!
            Uma igreja envolta no sonho da Liberdade. E que Liberdade maior há, do que a que vem de Nosso Senhor?
            E neste dia, as Lições Sagradas da Liturgia nos   recordam Nosso Senhor Jesus Cristo a nos dizer: “Eu sou a porta. Se alguém entrar por mim será salvo” ( Jo 10, 9)
            Salvação e Liberdade...livres do pecado e das trevas...salvos pelo sangue do Senhor!
            "Em verdade, em verdade vos digo: quem não entra pela porta no aprisco das ovelhas, mas sobe por outra parte, é ladrão e salteador.
            Escutemos pois, paroquianos de Sta. Efigênia, neste feliz dia,  a Voz do Pastor: pois Ele chama as ovelhas pelo nome e as conduz à pastagem.
            Hoje, ainda podemos trazer nosso ouro aos pés do altar...o ouro do nosso coração...pois aonde está o nosso tesouro, estará aí também o nosso coração! ( Mt 6, 21)  E que através do resplendor barroco desses altares, erguidos pela Fé de nossos ancestrais,  arda nosso coração de desejo pelo Senhor,  “assim como o cervo brama pelas correntes das águas, assim suspira a minha alma por ti, ó Deus!”  (Sl 42,1)
            Eis o vosso digno Templo de volta...as portas estão abertas...abram agora as portas de vossos corações para que neles o Cristo faça morada! Lembremo-nos sempre que Ele carregou os nossos pecados em seu corpo sobre o madeiro para que, mortos aos nossos pecados, vivamos para a Justiça. Por fim, por suas chagas fomos curados.  Porque éreis como ovelhas desgarradas, mas agora retornastes ao Pastor e guarda das vossas almas ( I Pedro 2, 25)
            Neste grande dia festivo, os sinos nos convocam à oração...”Pois a Promessa é para vós, para vossos filhos e para todos os que ouvirem de longe o apelo do Senhor, nosso Deus". ( At 2, 39).
            Felizes  sejam os Revmo. Padres; o Sr.  Pároco de Sta. Efigênia, Pe. Luiz Carlos dos Santos e o Vigário Paroquial, Pe. Edmar José da Silva e a todos os seus paroquianos por tão efusiva efeméride e possam cantar alegres com o salmista  “Felicidade e todo bem hão de seguir-me por toda a minha vida; e na casa do Senhor habitarei pelos tempos infinitos. “
            Laus Deo!









Prof. Luiz Mascarenhas é Bacharel em Direito e Licenciado em História pela Universidade de Itaúna; professor de História e Sociologia e amigo de Ouro Preto.

                                           



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